
Urânio no Sertão: Desenvolvimento ou Risco Ambiental? O Debate Sobre a Extração no Ceará
No coração do sertão cearense, onde a estiagem é uma constante e a água é um bem precioso, um projeto de extração de urânio e fosfato tem gerado intensos debates. A iniciativa, que pode transformar a região na maior produtora nacional desse minério estratégico, divide opiniões entre promessas de progresso econômico e preocupações com impactos ambientais e sociais.
O Projeto e Seus Números
O empreendimento, localizado na Fazenda Itataia, em Santa Quitéria (CE), é resultado de uma parceria entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e uma mineradora privada de fosfato. A proposta prevê a abertura de uma mina a céu aberto de quase um quilômetro de largura e 160 metros de profundidade. A extração se concentrará principalmente no fosfato, que compõe 99,8% do material retirado, enquanto o urânio representa apenas 0,2%.
Com a estimativa de produção anual de 750 mil toneladas de fosfato e 2.300 toneladas de urânio, o projeto poderia reduzir a dependência do Brasil das importações desse fertilizante essencial para a agricultura. No entanto, a separação desses minerais exige grande quantidade de água, o que levanta um dos principais pontos de controvérsia.
Água: Um Recurso Disputado no Semiárido
O primeiro plano apresentado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) previa a utilização de 30% da vazão do açude Edson Queiroz, um dos maiores reservatórios da região. O projeto foi rejeitado, levando a uma reformulação que reduziu esse consumo para 10% da vazão, adotando tecnologias mais eficientes.
Mesmo com essa redução, ambientalistas e comunidades locais temem impactos severos na disponibilidade hídrica. “Uma atividade econômica não pode comprometer a sobrevivência da população local”, alerta Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama.
Os efeitos da mineração poderiam alcançar comunidades como Queimados, onde quilombolas reassentados vivem da agricultura familiar. O temor é que a radioatividade do urânio contamine água e solo, comprometendo não só o consumo local, mas também a comercialização de produtos agrícolas. “Se essa mina começar a operar, os compradores já avisaram que não vão mais adquirir nossos produtos”, lamenta o agricultor Antônio Eraldo de Paula Gomes.
Desenvolvimento Econômico e o Interesse do Setor Nuclear
Por outro lado, a INB e autoridades locais defendem os benefícios do projeto. A expectativa é de 6 mil empregos diretos e indiretos e um aumento significativo na arrecadação de impostos para Santa Quitéria e região.
Além disso, o urânio extraído fortaleceria o setor nuclear brasileiro. Atualmente, o Brasil tem reservas expressivas desse minério, mas extrai volumes limitados. O projeto poderia multiplicar por 11 a capacidade nacional de produção, tornando o país autossuficiente para abastecer suas usinas nucleares e ainda gerar receita com exportações.
“A demanda global por energia nuclear está crescendo, especialmente na Europa. O Brasil tem uma oportunidade estratégica nesse setor”, afirma Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica.
A crescente demanda por energia impulsionada por megacentros de processamento de dados e inteligência artificial também reforça o interesse na fonte nuclear.
O Impasse de Angra 3 e os Custos da Energia Nuclear
Apesar do potencial de Santa Quitéria, o setor nuclear no Brasil enfrenta desafios antigos. A usina de Angra 3, cujas obras começaram nos anos 1980, segue inacabada após consumir R$ 12 bilhões. Para concluí-la, seriam necessários mais R$ 23 bilhões, enquanto o cancelamento do projeto custaria R$ 21 bilhões.
Outro entrave é o custo da energia nuclear. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) calcula que o megawatt produzido por Angra 3 custaria R$ 653, um valor considerado alto em comparação com outras fontes. Além disso, há a questão do descarte do combustível nuclear usado, que exige armazenamento seguro por milhares de anos.
“O custo da energia nuclear impactaria ainda mais a tarifa elétrica no Brasil, que já é uma das mais altas do mundo”, avalia o professor Roberto Schaeffer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Decisão Final e o Futuro Energético do Brasil
A viabilidade do projeto de Santa Quitéria será decidida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que reúne ministros e representantes da sociedade civil. A decisão poderá redefinir o futuro da mineração de urânio no Brasil e influenciar os rumos da matriz energética nacional.
Enquanto isso, moradores do sertão cearense aguardam apreensivos, entre promessas de prosperidade e receios de um impacto ambiental irreversível. A questão central permanece: vale a pena investir em energia nuclear a qualquer custo?