
CPI das Bets: relatório revela crimes financeiros, manipulação e endividamento de famílias
Influenciadoras como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra estão entre os 16 nomes para os quais a relatora pede indiciamento
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, instalada no Senado Federal, apresentou nesta terça-feira (10) um relatório contundente que aponta indícios de crimes como lavagem de dinheiro, evasão fiscal, organização criminosa e manipulação de resultados por meio de jogos virtuais não auditáveis. A relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), recomenda o indiciamento de 16 pessoas, entre elas as influenciadoras Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra.
R$ 129 bilhões em jogo
Segundo a investigação parlamentar, as chamadas “bets” movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024. Para efeito de comparação, o orçamento previsto do Ministério da Educação para 2025 é de R$ 187,2 bilhões. O relatório aponta que o setor cresceu 1.300% desde 2018, em meio a uma regulação ainda frágil e permissiva.
“Parece-nos que é o melhor negócio do país no momento, mesmo que à custa da destruição de empregos na economia real e da renda de milhões de brasileiros”, declarou Soraya durante a apresentação do documento.
Impacto direto na economia e nas famílias
Um dos pontos centrais do relatório é o impacto social negativo causado pelas apostas. Estudo do Banco Central mostra que, só em 2024, cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram cerca de R$ 3 bilhões em plataformas de apostas, comprometendo despesas básicas com alimentação, moradia e saúde.
Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelam que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas para apostar; 19% deixaram de adquirir itens de supermercado e o mesmo percentual abriu mão de viagens. Outro levantamento mostra que 52% dos apostadores redirecionaram à jogatina recursos antes destinados à poupança.
Manipulação algorítmica e fraudes
Os jogos totalmente virtuais, sem vínculo com competições esportivas reais – como “jogo do tigrinho”, “cobrinha” e similares – foram classificados como os mais lesivos. Segundo Soraya, esses jogos funcionam com algoritmos fechados e não auditáveis, possibilitando manipulação de resultados e lavagem de dinheiro.
“Esses softwares são 100% controlados internamente pelas empresas, sem qualquer transparência. Isso facilita fraudes e a legalização de recursos provenientes de atividades ilícitas”, explicou a senadora, que defende a proibição desse tipo de jogo no país.
Influenciadores sob suspeita
O relatório também mira a atuação de influenciadores digitais que promovem as bets, muitas vezes de forma enganosa ou com linguagem que sugere promessas de enriquecimento rápido. Deolane e Virgínia estariam entre os beneficiados por contratos milionários com plataformas que operam de forma irregular.
“É um escândalo. Muitos influenciadores não apenas recebem fortunas, como também se tornam sócios das casas de aposta, promovendo jogos sem autorização legal e atingindo até crianças e adolescentes”, criticou Soraya.
Propostas e recomendações
Dentre as recomendações apresentadas estão:
- Criação de uma entidade reguladora independente;
- Cadastro nacional de jogadores;
- Proibição dos jogos totalmente virtuais;
- Maior restrição à propaganda, especialmente voltada a menores;
- Criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA);
- Punição exemplar a quem fizer propaganda enganosa das bets.
Origem e descontrole
As bets foram introduzidas no Brasil em 2018, no governo Michel Temer, com a justificativa de arrecadação para o recém-criado Ministério da Segurança Pública. Entretanto, só passaram a ter alguma regulação em 2023 – ainda considerada insuficiente.
Segundo o relatório, “empresas nacionais e estrangeiras sugaram bilhões de reais da população brasileira sem qualquer retorno à sociedade, deixando um rastro de vício, ruína financeira e crimes sofisticados”.
A votação do parecer foi adiada após pedido de vista coletiva no Senado, mas o relatório já reacende debates sobre os limites da publicidade digital, a responsabilização de influenciadores e a necessidade urgente de controle sobre o setor de apostas no Brasil.